A primeira revista gay do Brasil: entre Snob e Lampião da Esquina
- Redação Uomini
- há 5 minutos
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Quando se fala em primeira revista gay do Brasil, dois nomes aparecem como protagonistas dessa história: o jornal/revista “Snob”, criado em 1963 no Rio de Janeiro, e o jornal “Lampião da Esquina”, lançado em 1978, com alcance nacional.

A primeira revista gay do Brasil
Esses títulos marcaram a imprensa LGBT em momentos diferentes, em plena ditadura e sob forte moral conservadora, abrindo espaço para visibilidade, sociabilidade e luta por direitos.
Mais do que simples publicações, “Snob” e “Lampião da Esquina” funcionaram como instrumentos de resistência, comunicação e construção de identidade para a comunidade homossexual no Brasil.
Cada um, à sua maneira, inaugurou formas de falar de homossexualidade num país marcado por censura, violência e invisibilidade.
Contexto histórico: homossexualidade, censura e resistência
Na década de 1960, a homossexualidade era vivida quase sempre na clandestinidade, com forte repressão policial, preconceito social e ausência de representatividade na mídia.
Qualquer publicação voltada ao público gay era vista como provocação à moral vigente e corria risco de perseguição. Nesse cenário hostil nasce “Snob”, uma pequena publicação artesanal que se tornaria referência pioneira para a imprensa homoerótica brasileira.
Nos anos 1970, o Brasil vivia o endurecimento e, depois, a lenta abertura da ditadura militar. Ao mesmo tempo surgia uma imprensa alternativa que questionava o regime e discutia temas silenciados, como sexualidade, gênero e direitos humanos.
É nesse contexto que aparece “Lampião da Esquina”, um jornal assumidamente homossexual, crítico e politizado, que dialogava com o nascente movimento LGBT e com outras lutas sociais.
Snob: o pioneiro da imprensa gay (1963–1969)
O jornal “Snob” surgiu em 1963, no Rio de Janeiro, idealizado por Agildo Guimarães como um boletim de fofocas e notícias internas voltado ao público gay da cidade.
Circulava de forma restrita, de mão em mão, principalmente em bairros do Centro e da Zona Sul, funcionando como um canal de comunicação entre frequentadores de bares, festas e pontos de encontro.
Com o tempo, ganhou formato de “minirrevista”, com capas ilustradas, seções fixas e dezenas de páginas.
O conteúdo de “Snob” era voltado para sociabilidade, humor e cultura gay, com foco em festas, concursos, personagens da noite e códigos internos da comunidade.
A linguagem assumidamente “de dentro” — com termos como “bichas”, “bofes” e “bonecas” — criava um sentimento de pertencimento num ambiente social marcado por hostilidade.
Embora não tivesse o discurso político direto que surgiria depois com o movimento LGBT organizado, “Snob” foi revolucionário por assumir, em pleno início de ditadura, um público homossexual em um produto editorial.
Lampião da Esquina: o jornal gay que virou marco nacional (1978–1981)
Em abril de 1978, entra em circulação o jornal “Lampião da Esquina”, criado por um grupo de intelectuais homossexuais e simpatizantes no Rio de Janeiro.
Diferentemente de “Snob”, “Lampião” nasce desde o início com proposta política, linguagem jornalística e distribuição nacional, alcançando leitores em diversas regiões do país.
Com tiragens que chegavam a cerca de 15 mil exemplares por edição, o jornal passava por bancas, assinaturas e redes da imprensa alternativa.
“Lampião da Esquina” abordava homossexualidade como questão de cidadania, denunciando violência policial, discriminação no trabalho e na família, além de dialogar com feminismo, movimento negro e outras pautas progressistas.
O jornal trazia reportagens, entrevistas, cartas de leitores, literatura, humor e críticas culturais, sempre questionando tanto a moral conservadora quanto setores da esquerda que ignoravam a pauta LGBT.
Entre 1978 e 1981, o título se consolidou como marco da imprensa LGBT brasileira e referência simbólica para o movimento que se estruturava.
Snob e Lampião da Esquina: o que cada um representou
Enquanto “Snob” pode ser compreendido como a primeira revista/jornal explicitamente gay do Brasil, com foco em sociabilidade e códigos internos, “Lampião da Esquina” aparece como o primeiro grande jornal LGBT de alcance nacional e profundamente politizado.
“Snob” inaugurou a ideia de uma imprensa feita por e para homossexuais, ainda em circuito restrito e sob forte censura moral. Já “Lampião” transformou essa imprensa em plataforma de luta, debate público e construção de identidade coletiva.
Assim, quando se pergunta “qual foi a primeira revista gay do Brasil?”, a resposta mais completa passa por reconhecer esses dois marcos em conjunto. “Snob” ocupa o lugar de pioneira, dando os primeiros passos de uma imprensa homoerótica e comunitária.
“Lampião da Esquina”, por sua vez, amplia esse caminho ao se tornar um jornal nacional, crítico e engajado, responsável por ligar a experiência individual de ser gay à luta política mais ampla por direitos e reconhecimento.
