Drogas e sexo: poppers e drogas recreativas podem afetar a ereção em homens gays
- Redação Uomini

- há 4 dias
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No sexo entre homens gays, o uso de drogas recreativas durante encontros sexuais se tornou um fenômeno preocupante que ameaça a saúde sexual e mental de milhares de brasileiros.

A prática de combinar drogas e sexo ganha contornos específicos na comunidade gay e levanta alertas sobre saúde sexual, mental e dependência química. O termo chemsex — junção das palavras em inglês "chemicals" (químicos) e "sex" (sexo) — designa o uso intencional e planejado de substâncias psicoativas antes ou durante encontros sexuais, com o objetivo específico de facilitar, intensificar, prolongar ou desinibir a atividade sexual.
Drogas e sexo gay
Diferente do uso recreativo de drogas que pode eventualmente coincidir com sexo, no chemsex as substâncias são parte integral e deliberada da experiência sexual.
O fenômeno não é novo, mas ganhou visibilidade nas últimas duas décadas, particularmente em grandes centros urbanos e dentro da comunidade de homens que fazem sexo com homens (HSH).
A cena gay brasileira tem testemunhado o crescimento acelerado do chemsex — a prática de usar drogas recreativas para intensificar, prolongar ou facilitar experiências sexuais. Pesquisas nacionais mostram que 19,42% dos homens homoafetivos no Brasil já experimentaram o sexo químico, um número que preocupa profissionais de saúde pública.
Em aplicativos de relacionamento gay como Grindr, Scruff e Hornet, não é raro encontrar perfis com emojis que sinalizam o interesse em "festas" com substâncias. Termos como "parTy" (com T maiúsculo, referência à metanfetamina ou "tina"), "HnH" (high and horny) ou "clouds" fazem parte de um código conhecido por quem frequenta esse universo.
Por que o chemsex é mais prevalente entre homens gays?
Estudos indicam que aproximadamente 12,66% da população global está envolvida em práticas de chemsex, mas entre homens que fazem sexo com homens (HSH), os números são significativamente maiores.
Especialistas apontam diversos fatores que explicam essa prevalência: a busca por conexão em uma comunidade historicamente marginalizada, a pressão para performances sexuais mais intensas, o uso de drogas como forma de lidar com preconceito internalizado e estresse minoritário, e a cultura de festas e clubes que tradicionalmente acolhem a comunidade LGBTQIA+.
"O chemsex muitas vezes começa como uma forma de desinibição, especialmente para homens que ainda lidam com questões de aceitação da própria sexualidade", explica um texto educativo sobre o tema. O que pode começar como uso recreacional ocasional rapidamente evolui para um padrão problemático.
Poppers: a droga de entrada na cultura chemsex
Entre homens gays, os poppers (nitritos de alquila) são provavelmente a substância mais difundida. Seu efeito vasodilatador relaxa a musculatura pélvica e anal, facilitando a penetração durante o sexo anal — uma das principais razões para sua popularidade.
Vendidos ilegalmente em sex shops, saunas gays e até pela internet com nomes como "Rush", "Jungle Juice" ou "Liquid Gold", os poppers são inalados diretamente do frasco momentos antes ou durante o ato sexual.
No entanto, alguns usuários relatam perda temporária da capacidade de ereção como efeito colateral. A queda súbita de pressão arterial pode causar tonturas e fraqueza, comprometendo o desempenho sexual que ironicamente se buscava melhorar.
O perigo maior está na combinação cada vez mais comum: homens gays que usam medicamentos para disfunção erétil (como Viagra ou Cialis) junto com poppers. Essa mistura pode provocar quedas severas de pressão arterial, levando a desmaios, ataques cardíacos ou AVCs.
Metanfetamina: a "tina" que destrói vidas
Na hierarquia do chemsex, a metanfetamina — carinhosamente apelidada de "tina" ou "cristal" — representa um dos maiores riscos. Embora aumente dramaticamente a libido e a euforia, ela cria um paradoxo cruel: o desejo sexual está nas alturas, mas o corpo não responde.
O "meth dick" — a incapacidade de conseguir ou manter ereção sob efeito de metanfetamina — é amplamente relatado em fóruns e grupos de apoio da comunidade gay. Usuários descrevem sessões de sexo que podem durar 12, 24 ou até 48 horas, mas onde a ereção vai e vem de forma frustrante.
"Você fica extremamente excitado mentalmente, mas fisicamente não funciona", relata um depoimento anônimo comum em grupos de recuperação. Para compensar, muitos recorrem a doses cada vez maiores de medicamentos para ereção, criando um coquetel perigoso.
GHB, ecstasy e cocaína: o menu do chemsex
O GHB (gama-hidroxibutirato), conhecido como "G" ou "Gina" na comunidade, é particularmente arriscado. Em doses baixas, pode aumentar a sociabilidade e o desejo sexual.
Mas a linha entre uma dose "recreativa" e uma overdose é perigosamente fina.
Casos de homens gays que desmaiaram durante sessões de chemsex e acordaram horas depois — ou precisaram ser levados a hospitais — são mais comuns do que as estatísticas oficiais sugerem. A vergonha e o medo de criminalização impedem muitos de buscar ajuda ou reportar incidentes.
O MDMA (ecstasy) é popular em festas de circuito gay e orgulhos por potencializar empatia e conexão emocional. Porém, o "MDMA dick" frustra muitos: a vontade de fazer sexo está presente, mas a ereção simplesmente não acontece.
Já a cocaína aumenta a confiança e o desejo inicial, mas compromete a qualidade da ereção e torna a ejaculação difícil ou impossível. Muitos relatam sessões sexuais que se estendem por horas sem conclusão satisfatória.
O ciclo vicioso: sexo sem drogas deixa de ser prazeroso
Um dos aspectos mais preocupantes do chemsex é como ele recondiciona o cérebro. Com o uso contínuo, pode desenvolver-se a Síndrome da Desregulação da Homeostase Hedônica — uma condição onde o cérebro passa a associar prazer sexual exclusivamente ao uso de substâncias.
Homens que antes tinham vida sexual ativa e satisfatória relatam que, após meses ou anos de chemsex, o sexo "sóbrio" se torna entediante, sem graça ou até impossível. A ereção não acontece, o desejo não surge, e a ansiedade sobre o desempenho só piora o quadro.
ISTs, PrEP e os riscos negligenciados
A ausência de estratégias de prevenção durante o chemsex aumenta drasticamente a exposição a HIV, herpes, sífilis, gonorreia e outras ISTs. A desinibição causada pelas drogas frequentemente leva ao sexo sem preservativo com múltiplos parceiros, às vezes em uma única noite.
Embora a profilaxia pré-exposição (PrEP) tenha sido um avanço revolucionário na prevenção do HIV entre homens gays, ela não protege contra outras infecções. E muitos usuários de chemsex negligenciam até mesmo medicamentos preventivos durante episódios de uso intenso.
Casos de hepatite C, historicamente rara entre HSH que não usam drogas injetáveis, têm aumentado em comunidades onde o chemsex é prevalente, provavelmente devido ao compartilhamento de canudos para inalação de drogas.
Saúde mental: depressão, psicose e suicídio
O uso prolongado de drogas estimulantes pode resultar em psicose, caracterizada por ideias persecutórias e delírios, além de depressão profunda e pensamentos suicidas.
Para homens gays que já enfrentam taxas mais altas de depressão e ansiedade devido ao estigma social e à discriminação, o chemsex pode agravar drasticamente problemas de saúde mental preexistentes.
A "queda" após uma sessão de chemsex — especialmente com estimulantes — pode durar dias ou até semanas, com sintomas de depressão severa, exaustão extrema, paranoia e isolamento social.
O estigma que impede o tratamento
Homens que praticam chemsex frequentemente enfrentam barreiras significativas no acesso aos cuidados de saúde devido ao estigma e à discriminação.
O medo de julgamento por parte de profissionais de saúde, somado ao receio de consequências legais (já que as drogas são ilegais), mantém muitos em silêncio sobre seus problemas.
Muitos profissionais de saúde simplesmente não estão preparados para lidar com as especificidades do chemsex na comunidade gay, não fazem as perguntas certas ou não oferecem um espaço seguro para discussão honesta.
Caminhos para redução de danos
Especialistas defendem que pessoas envolvidas em chemsex necessitam de acesso a profilaxia farmacológica de ISTs, informação sobre composição das drogas, suporte em saúde mental e intervenções sensíveis às questões de gênero e sexualidade.
Organizações comunitárias em Lisboa desenvolveram programas que acompanham homens que fazem sexo com homens, oferecendo esclarecimento sobre substâncias e estratégias de redução de riscos — abordagens que respeitam a autonomia individual enquanto promovem escolhas mais seguras.
No Brasil, iniciativas ainda são escassas. Organizações LGBTQIA+ como o Grupo Pela Vidda, a ABIA e algumas clínicas especializadas em saúde gay começam a oferecer abordagens mais sensíveis, mas a demanda supera em muito a oferta de serviços.
Entre as estratégias de redução de danos recomendadas estão: nunca misturar poppers com medicamentos para ereção, testar substâncias quando possível para evitar adulterações perigosas, manter-se hidratado durante sessões longas, usar preservativo mesmo sob efeito de drogas, fazer testagens regulares de ISTs, e estabelecer limites claros antes de usar qualquer substância.
Recuperação é possível
Para homens gays que reconhecem ter desenvolvido uma relação problemática com o chemsex, a recuperação é possível, embora desafiadora. Grupos de apoio específicos, como o Crystal Meth Anonymous (CMA) — que tem reuniões em várias cidades brasileiras — oferecem suporte entre pares.
Terapeutas especializados em dependência química e familiarizados com as especificidades da comunidade LGBTQIA+ podem fazer diferença crucial no tratamento. O trabalho não é apenas interromper o uso de substâncias, mas reconstruir a capacidade de sentir prazer sexual sem elas.
O chemsex na comunidade gay é um fenômeno complexo que exige resposta compassiva, informada e livre de julgamentos. Reconhecer o problema é o primeiro passo para proteger a saúde de milhares de homens que merecem prazer, conexão e bem-estar — sem colocar suas vidas em risco.




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